segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Filme de mulherzinha


Passei a década de 90 assistindo comédias românticas. Eu gosto de filme de mulherzinha, e daí? Uma Linda Mulher (que segundo a minha mãe deveria se chamar Um Lindo Homem, e eu concordo em gênero, número e Richard Gere - Ui!), todos ou quase todos da Meg Ryan, Jerry Maguire - A grande virada e O Casamento de Muriel fizeram a minha cabeça. O roteiro deste tipo de filme é quase sempre feito de favas contadas - na verdade estou sendo boazinha, é um lugar-comum atrás do outro - e a parte água com açúcar geramente é temperada com sequências de humor impagáveis, com elencos via de regra muito bons.

Seguindo a tradição, munida da companhia gazelística, neste último sábado fui assistir à estreia de Falando Grego (My life in ruins, no original). Nia Vardalos é Georgia, uma greco-americana que se muda para Atenas para lecionar história clássica, perde o emprego e, para se virar, trabalha numa agência de turismo pra lá de fuleira, não se dá com o trabalho e quer dar aulas de história e mitologia grega pra um bando de turistas que só querem saber de se entupir de sorvete no meio do calor da Grécia. Georgia está à beira de um ataque de nervos até que ela conhece o "urso que tirou carteira de motorista" que foi contratado para dirigir o ônibus da excursão, que seria a última que ela acompanharia e aí... começa o filme, que mostra a jornada de Georgia em busca do seu kefi, palavra grega que significa alegria, vivacidade, nosso brilho natural e para isso, recebe ajuda de um turista (Richard Dreyfuss) que começa como o metido a engraçadinho da excursão e termina como um velhinho fofo, espirituoso e movido a uma "pilulazinha azul da Pfizer que o governo paga", e até bancou o Oráculo de Delfos no meio da história.

O enredo é chavão puro, claro, mas a diferença estão nas sequências de humor, baseadas ou em mal-entendidos surreais ou na cara de "ahn?" que só a Nia Vardalos consegue fazer. Tenho boas lembranças dela - foi isso que me motivou a ver o filme na estreia, coisa que nunca fiz. Casamento Grego, um dos seus filmes mais conhecidos, não assisti inteiro, só vi uma temporada da série do mesmo nome alugada em DVD na casa de Bozoca, em um dos momentos mais fundo do poço dos últimos tempos da minha vida, e me arrancou boas risadas. Se a Nia Vardalos me fez rir naquelas circunstâncias, anything is possible.

Além do humor, as paisagens. Ah, as paisagens. Pathernon, Monte Olimpo, Teatro de Epidauro... Uma mais linda que a outra, as tais ruínas onde se perdeu a vida de Georgia. O segredo do sucesso dos chavões de Hollywood está aí. Todo mundo já foi Georgia um dia, a ponto de um dia se olhar e ver que perdeu o viço, o brilho, que não faz mais o que gosta, preferindo o contrário para agradar gente de que você não gosta. E de repente, resolve-se chutar o balde, apertar o botão do foda-se, dar uma imensa banana para o mundo, mas acaba-se por nem precisar. O destino se encarrega de virar a mesa por si só, deixando para si o deus-ex-machina do final da história. Aí que tá, não foi Hollywood que inventou isso. Advinha quem foi?

Na verdade, deus-ex-machina é a solução "engenhófica" de um conflito sem solução dentro de uma trama no teatro clássico grego, onde se fundou as bases para o teatro ocidental de hoje. Quem traz a solução milagrosa de um conflito a princípio insolúvel é a ação de um deus, daí o nome, um deus feito de máquina.

A virada do personagem é a sua virada. Georgia reencontra seu kefi por você, que respira aliviado quando sobem as letrinhas dos créditos, sem ter movido uma palha para tanto. Não, você não é o único, nem eu, todo mundo faz isso, inconscientemente. E isso não é loucura, é catarse. Aliás, isso é uma maravilha, resolveu sua vida e nem desfez a escova! Acha que foi Freud que postulou sobre este comportamento?

Catarse não é invenção freudiana e sim aristotélica. O discípulo de Sócrates postulou em Poética, o processo catártico da tragédia clássica, que eu descrevi acima à minha maneira, porque obviamente, na Antiguidade clássica não existia chapinha e muito menos salas de cinema. Mas o processo é exatamente o mesmo, a jornada do herói sempre trilhará este caminho.

Vou parando por aqui, antes que vocês pensem que estou falando grego. Encurtando o papo: quem gosta de filme de mulherzinha vai adorar Falando Grego: as mocinhas e os heroicos machos sem medo de comédias românticas. Sim, eles existem.

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