domingo, 31 de janeiro de 2010

Léxico Nordestino 2.0 - A redenção

Passei minhas férias na terrinha onde não chove, mas o mato é verde, a pequenina Paraíba. Nessa história, fui bater em mais outros três estados do Nordeste: Mossoró (RN), Tibau (CE) e Recife / Olinda (PE). A caminho do aeroporto, Zé, esse cabra bom que alegra nossa vida até quando ele não quer, me ligou e disse: "Que esta viagem te traga muitas ideias." E trouxe, até mesmo antes de partir.

Apesar de não usar constantemente, sou uma pessoa bilíngue no meu próprio idioma: falo paulistês e paraibês fluentemente. E precisava informar minha companheira de viagem, Mácia - no paraibês, este R praticamente some - a respeito de alguns verbetes, para ela não boiar muito e ainda assim, algumas vezes, ela me olhou com cara de conteúdo e disse: traduz! Mas isso durou pouco, porque rapidinho ela trocou o "cara" por cabra e em vez de falar "Isso!", começou a falar "Pronto!". Parecia até que a galega era de lá. Deu nela uma muléstia dos cachorro, que gastou tudinho as precata no forró!

Quem conhece os TM de longa data, deve se lembrar de um textículo chamado Léxico Nordestino, comentando verbetes do dicionário de Cearês e Pernambuquês. Na época, achei um de Paraibês, que de tão fulêra nem coloquei no textículo, por achar indigno da terrinha que até Gonzagão elogiou!

Acabou que antes de viajar, encontrei no Oráculo um cordelista de Patos, radicado em João Pessoa, que não contente em compilar o léxico paraibês, fez isso em forma de cordel, um cabra muito do desenrolado chamado Vicente Campos Filho!¹. Cheguei de lá com dois exemplares, e também existe um em forma de verbetes mesmo num chaveirinho, que eu também trouxe para meu cunhado, para ele começar a estudar e não chegar lá passando vergonha.

Segundo o autor, ele compilou expressões do interior, do sertanejo mesmo, e isso é tanto verdade que ouvi até a voz do velho Zaca falando algumas delas. E sentada na praça de alimentação do Mercado de Artesanato, fiz um jogo de adivinhação com o cabra safado do meu primo, Luiz Carlos, um legítimo paraibano e baieense (apesar dele negar sua procedência da Terra dos Corno, Bayeux, ele é de lá). Eu lia metade do verso, e ele tinha que dizer o resto, e pasme, ele errou várias! Normal, existem variações joão-pessoenses. Por exemplo, longe no sertão é lá na caixa-prego, na baixa da égua ou em caixa-bozó. Para Luiz Carlos, o Miami Visse, longe é lá no inferno das cuia. E por aí vai.

Não vou reproduzir parte do cordel do Vicente Campos Filho, porque ele já fez isso. Vou fazer é uma espécie de Parte Dois, de coisas que ele não colocou em seu cordel. Fica uma sugestão para você fazer isso, visse, bichin?

Pegar Ar - Ficar nervoso, estressado
Tá c´a Muléstia dos Cachorro - Mais ou menos a mesma coisa que o anterior, pode ser também uma coisa muito boa
Tá c´a Gota Serena - Sinônimo de Tá c´a Muléstia dos Cachorro. É só lembrar da Clara Nunes elogiando Sivuca em Feira de Mangaio: "Eita sanfoneiro da gota serena!"
Tá c´a Gota - O mesmo do anterior, mas da gota serena exagera a expressão.
Marminino - Interjeição de admiração. O mesmo que "Mas, menino!"
Márrapai - Variação de Marminino. O mesmo que "Mas, rapaz!"
Bilôra - Mal-estar do estomâgo, gastura, desmaio. Acontece muito com quem não tá acostumado com a soma de cumê com sustança com o calorão da bixiga de John Person. Oferece um rubacão para Mácia, para ver se ela aceita!
Rubacão - Receita que leva feijão com pedaços de queixo de coalho derretido com carne de charque picada por cima.
Cumê - Refeição. "Dê um cumê pra esse minino!"
Suadô - A suadeira que dá depois de um cumê quente e com sustança, tipo uma cabeça de galo no café da manhã.
Sustança - Alto valor nutricional, geralmente gorduroso.
Minino - Criança, sendo de qualquer sexo. "Essa mulé tá esperando minino outra vez!"
Da bixiga/ Da gota/Da porra - Expressões que exageram o valor de qualquer coisa que se fale. Por exemplo: "Eita, forró bom da gota!" ou "Remédio rim da bixiga"
Rim - O mesmo que ruim.
Com força - Muito. "Era gente com força naquele lugar!"
Pense! - Expressão praticamente multiuso, geralmente serve para fazer o seu interlocutor imaginar exatamente o que você está dizendo. "Pense numa marmota!"
Marmota - pessoa desajeitada, ou maluquice. "Que marmota é essa, menino?"
Pão Bola - o mesmo que pão de hambúrguer.
Pão Caixa - o mesmo que pão de forma.
Desenrolado - Gente decidida, ativa, vivaz, articulada, sem frescura.
Pronto! - Expressão de concordância.
Homi, pelamor de Deus!
ou Homi, por caridade! - Expressão para pedir encarecidamente um favor, ou ainda, para exagerar uma narrativa.

E quem quiser que conte outra, ou outras. Todas essas expressões são tipicamente paraibanas, ou ainda, não apareceream² nem no Dicionário de Matutês de Pernambuco, ou no Dicionário Cearês, que aproveito para atualizar os links. Deixo para outro textículo o capítulo Placas de João Pessoa e adjacências, que também me fez rir um bocado lá. E é para todos leitores de textículos essa cambalhota, quer dizer, esse cangapé!

Notas:
1 - Recomendo também o Cordel do mesmo autor "O marciano que invadiu a Paraíba para roubar a rapadura". Ri litros.
2 - Marmota apareceu no dicionário de Pernambuco.