terça-feira, 31 de maio de 2011

Até que enfim

Já faz duas semanas, mas até que enfim alguém falou a verdade. Não que ela não seja largamente conhecida por todos, não que ela nunca tenha sido esbravejada aos quatro cantos do mundo. É que finalmente esta verdade foi dita com uma assertividade tamanha a ponto do PIG ter fingido que faz coro a ela, abrindo o microfone para que fosse dita sem cortes em rede nacional, num momento de audiência privilegiada.


Agora, eu confesso: eu não teria metade da coragem da Prof. Amanda, nem da sua eloquência. Porque nós, professores, caímos muitas vezes no erro de reclamar, reclamar, reclamar, como uma metralhadora verbal, geralmente quando não há ninguém para nos ouvir além de nós mesmos. Isto é de um onanismo completamente inútil, masoquista!  Chega um momento em que ninguém mais nos dá ouvidos. Então, o que fez com que todos ouvissem o que Amanda Gurgel disse?  Ela convocou todo o seu poder de síntese para não se perder com eufemismos e frases ambíguas e sem delongas, foi para as cabeças.



Engana-se quem pensa que isto é problema exclusivamente brasileiro, de nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. Para elucidar esta questão, este vídeo é sensacional.



Já é uma recorrente dizer que o vídeo da professora Amanda tornou-se símbolo, não só de tudo o que ela disse no seu discurso, mas do real poder de mobilização da sociedade em rede. O protesto da Gente Diferenciada, em frente ao Shopping Pátio Higienópolis, foi um exemplo - bem-humorado, mas mesmo assim, eficiente. A recente inssurreição no Egito que derrubou Hosni Mubarak também foi forjada online.

O ativismo digital sozinho não vai muito longe, mas é uma ferramenta e tanto para o ativismo fora da rede. Estou na rede Salário digno aos professores do Brasil e dia 12 de junho, tem evento marcado no Facebook. O bom da Era Digital é que tudo quanto é coisa é capaz de se espalhar feito rastilho de pólvora, das mais altas bobagens às realmente relevantes. A oportunidade é realmente única, porque o PIG está fingindo fazer coro aos apelos dos professores - geralmente o discurso é contrário.  É hora de aproveitar o microfone aberto da Prof. Amanda e mandar ver.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Leia no Volume Máximo

Texticular audiência, minha fúria contista tem os seus motivos. Esta compilação de contos inspirados em canções da Legião Urbana é tudo e mais um pouco: linda, poética, pungente, trágica, surpreendente.

Engraçada a maneira como eu soube deste livro. Eu o descobri ano passado numa livraria na calma de uma semana pela metade, consegui sentar em uma cadeira confortável e ler alguns contos. Chorei na pia, mermãozim. Pensei em duas pessoas para presentear com este livro: ou minha irmã, ou Gazelita. Acabei comprando para ele, com ele ao meu lado da livraria e ele nem percebeu! Agora ele me emprestou para eu ler o resto. E garanto que é muito difícil descobrir qual é o melhor conto, ou mais bonito.

Os autores, todos fãs da Legião, ou seja - de fato escreveram com o fundo da alma - se apropriaram das canções para depois recriá-las em forma de conto, e de maneiras bem variadas. Ora elas são personagens das histórias, ora frases da canção saem da boca das personagens, ou ainda o mote da canção se transforma completamente, se metamorfoseia em história.

Sinceramente não sei como me saio como crítica literária, afinal não sou uma leitora contumaz de livros muito densos, nem leio muitos livros por ano. Ler para mim não é maratona, é um prazer lento, até meio preguiçoso. Talvez para fazer contraponto com a leitura objetiva e analítica que preciso praticar para estudar e trabalhar. Então quando leio por diversão, faço isso com uma lenteza caymmiana. Também se o livro não me arrebata, não me prende, largo sem cerimônia, deixo para quando estou realmente a fim.

Ou seja, para meus padrões, devorei este livro até que bem rápido, mas confesso que entre um conto e outro, às vezes me via catatônica, com o livro apertado contra o peito. O resultado estético destes contos é de um lirismo tal que a gente tem mais é que levantar as mãos para o Barbudão e agradecer o fato de que um dia Legião Urbana cruzou nosso caminho. Estas canções, apesar de permanecerem atemporais - não carencendo, portanto, de atualização - voltam com a mesma força de antes, mas amadurecidas, retransformadas. Como se tivessem ajudado todos estes autores a amadurecer, e agora eles retribuíssem com novos frutos. 

Então, só me resta reiterar a recomendação do organizador da coletânea, Henrique Rodrigues: leia no volume máximo! 

Ps: É difícil escolher um melhor, como eu já disse, mas eu tenho um preferido, que curiosamente foi o que eu primeiro li: Será, de Daniela Santi.

Serviço: Como se não houvesse amanhã, organização de Henrique Rodrigues, Editora Record.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ok Computer

O verdadeiro código binário

Ele costumava dizer que desde que Deep Blue derrotou Kasparov, o mundo nunca mais foi o mesmo. Era a vitória do cálculo binário sobre o imponderável humano, coisa em que, aliás, ele nunca acreditou.
Ele calculava suas jogadas com no mínimo dez lances de antecedência, isto se ele não derrotasse seu opositor com menos que isso.  Para ele, tudo era passível de planejamento. Ela costumava chamá-lo de Exterminador do Futuro: só podia ser feito de metal líquido por dentro. Tinha um cooler no lugar do coração. 

Ela era puro caos. Jamais planejava jogadas, respondia ao lance seguinte tentando escapar das ciladas que ele, travessamente, armava para ela. Ele tentava com isso fazer com que ela fosse menos impulsiva nas jogadas, mas não adiantou de nada. Para ela, jogar xadrez era uma aventura na selva. Até tentou aprender do jeito dele, mas não conseguia. Ela se encontrava na bagunça. 

Esta combinação poderia ser desastrosa, mas o fato é que não era. Na maioria das vezes, ele ganhava, mas ela costumava dar bastante trabalho para ele conseguir a vitória. Era a única que o deixava louco com sua imprevisibilidade e tenacidade, ela não era de empatar ou abandonar. As partidas eram longas e desafiadoras, assim como as transas.
Dividiam-se entre a cama e o tabuleiro. E o tabuleiro era o avesso da cama: ela fazia questão de deixar seu rei nu, de despi-lo principalmente deste raciocínio lógico-matemático que de tão assertivo, chegava a ser irritante. Ele, por sua vez, fazia questão de se vingar: toda a imprevisibilidade a qual ela o submetia no xadrez, ele a fazia passar na cama. Penetrava nela nos lugares mais insólitos, em todos os buracos do corpo e com todos os seus falos. Fazia questão de comê-la com todos os talheres. 

Ele, no final das contas, ganhava na cama e no tabuleiro. No xadrez, sua técnica era vencedora, ela só era uma adversária estranhamente difícil. Na cama, a abatia com a mesma competência: sua técnica sexual era tão eficiente quanto a sua técnica enxadrística. Fazê-la gozar era para ele um xeque-mate. 

De tudo que ele ponderava, ela simplesmente ria. No tabuleiro, ela era caça fugidia, a vítima do astuto predador que manipulava até as fugas de sua presa. Na cama, ele perdia a cabeça e de quebra, a servia como se serve a uma rainha. E ela ainda o fazia pensar que a ideia partia dele. Bobinho. 

... Por essas e outras é que ela achava essa história de computadores derrotando o humano uma tremenda bobagem. Código binário para ela, só se fosse Yin e Yang, Apolo e Dioniso. E como funcionavam bem juntos.

Flavia Teodoro Alves

16/03/2010
Texto revisado por Adriana Gregório

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ecce Homo

Bem que eu devia desconfiar daquele cara. Não obstante seu visu grunge que para mim ficou perdido lá nos 90 e alguma coisa, ele implicou com os bichinhos que aparecem no meu relógio digital. Disse que aquilo não parecia um canguru. É muita neurose. Comprei o relógio para ver hora, porra, não para ver canguru. Foda-se se não se parece com um. 

Lembrei-me disso numa hora bem à toa dentro do metrô, tentando trocar o canguru-que-não-se-parece-com-um-canguru pela data de hoje. Passamos mais horas dentro do metrô do que dentro do motel. E quanto mais cara de bunda você fazia por dar de cara com mais um motel lotado, mais eu ria. Nestes momentos, babe, tanto estoicismo não serve para nada: ou se tem um plano bê, pensando rápido, ou não se tem. E você não tinha. A vitória do senso prático sobre a abstração racionalista. Rá!

Saí correndo do metrô e antes de chegar ao meu destino, dei uma passada no Rei do Mate. Bem à minha frente, um copo do Romero Britto de brinde. Não aguento mais Romero Britto na minha frente. Arte Pop vendável piorada do caralho. Aí me deu vontade de rir mais ainda do que eu tinha rido da cara da recepcionista do motel barato: você detesta Romero Britto. Carne-de-vaca, você diria. 

Sabe que, se eu estivesse com tempo, até levaria um daqueles copos para você de presente? Só para ver sua boca entortando a esbravejar contra a banalização da Arte, assim, com um solene “A” maiúsculo. Só para você se recordar que é mais ordinário que aquele copo. Só para você saber que eu sou mais carne-de-vaca que todas as telas do Romero Britto juntas, e no entanto, você comeu. 

Logo, não adianta fazer cara de quem comeu e não gostou, porque você comeu, simplesmente comeu. Sem hibridismo, confluência ou contemporaneidade, pensando com o pau como qualquer um, tão carne-de-vaca quanto eu. 
Ecce homo.