terça-feira, 19 de setembro de 2017

Florestas que crescem - Prêmio Paulo Freire de Educação Municipal 2017

“Uma árvore que cai faz mais barulho do que uma floresta que cresce.”

         O texto “Por uma Educação Menor”, de Silvio Gallo, foi um dos presentes que recebi enquanto realizava a pesquisa de mestrado. Ele apresenta três conceitos que são fundamentais para resistir e continuar promovendo uma educação transformadora, mesmo em tempos tão sombrios como os nossos: educação maior, educação menor e professor militante. Em suma, educação maior é aquela dos referenciais curriculares, das avaliações externas, das metas que reduzem o complexo universo das comunidades escolares em números desconectados da(s) realidade(s). Educação menor seria a educação possível, aquela que efetivamente acontece nas salas de aula, no contato direto com a realidade, entre as pessoas que compartilham desse mesmo universo. Professor militante é aquele que realiza seu trabalho assumindo seu caráter minoritário perante a Educação Maior, aquele que “cava seu buraco, com a alegria de um cão”.

         Ontem vimos muitos buracos, cavados por muitos cães. E esses buracos formam túneis, que se interligam e formam uma rede, um labirinto. É um incrível mundo subterrâneo, que nem o País das Maravilhas poderia fazer frente a um lugar tão fabuloso.

  Em verdade, o que presenciamos na entrega do Prêmio Paulo Freire de Educação Municipal é apenas um recorte desse universo. Há mais que 80 cães ou 80 buracos. Somos muito mais, resistindo criativamente - trabalhando nas ausências, nas carências, nas fendas, nas fissuras que a Educação Maior deixa escapar. Isso mostra que não há neste mundo carrocinha que nos faça parar de viver com o focinho enfiado na terra, cavando e desenterrando tesouros, e o rabo abanando lá em cima, felizões da vida.

Faltou você, Carmen

 O CIEJA Prof.ª Rose Mary Frasson foi representado pelo projeto “Múltiplas Linguagens e Direitos Humanos”, coordenado pelas professoras Carmen (Artes), Cris (Português) e eu. O PMLDH também fez parte da pesquisa que realizei no mestrado em Artes pela UNESP entre 2015 e 2017, que resultou na dissertação “Corpoarte: Felicidade e Resistência”. O PMLDH também fez parte da edição de 2016 do Projeto Apoema, que existe desde 2010 e é parte importante da nossa proposta pedagógica e do nosso currículo.

  Dá para perceber a importância de tudo isso, gente? Não de concorrer, ou de ganhar o prêmio, mas sim de vermos e sermos vistos. De perceber, que mesmo com tantas investidas contra uma educação pública e de qualidade, existimos e resistimos. Ocupamos os terrenos baldios próximos às escolas, e o lugar que antes só abrigava lixo e ratos, passa a abrigar cultura, feita por nós e para nós. Gritamos nossas dores e alegrias com poesia. Vestimos nossos cocares, nosso batom e salto para mostramos que a EJA existe, LGBTQ´s existem, as comunidades indígenas existem em São Paulo.

 Em meio a tantos ataques e retrocessos na Educação Maior – Escola Sem Partido, DEforma do Ensino Médio, retirada dos conteúdos relacionados a gênero e sexualidade no Plano Municipal de Educação, entre outros tantos e lamentáveis absurdos – saber de tantas iniciativas exitosas e bem fundamentadas me causa uma alegria imensa. Ao ouvir, neste mundo subterrâneo, uma floresta crescendo, silenciosamente.





segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Feliz Fim do Mundo (como conhecíamos)

Para José Renato, meu querido irmão caçula
Desapego é bom. Faz-nos perceber que a vida, em sua transitoriedade, se faz eterna e que ela é maior que nossos desejos.
Entretanto, sempre vivo uma tensão a respeito de minhas memórias, sobretudo as físicas. O que manter e o que mandar para o Buraco da Memória? Porque os arquivos são poderosos quando revisitados, tanto que faço isso com certa dificuldade. Confrontar-se fisicamente com seus manuscritos de anos atrás, as roupas que não te servem mais, sua voz desafinada da sua primeira vez num estúdio. Não é a mesma coisa que digitalizar, colocar na nuvem, virtualizar. Sentir o gosto é necessário, esquisito e às vezes, muito incômodo.
É preciso revisitar as nossas memórias mais dolorosas. Voltar a fita, revirar nosso Relicário de Lembranças Adoradas. Rir com as nossas bobagens, chorar pelo que se foi. Cheirar aquela camiseta velha e abraçar-se com ela. Sentir saudade.
Em todo caso, desconfio demais dessa “era do desapega”. Não é possível se DESapegar, se você nunca se apegou a nada. Acha que foi fácil me livrar do meu cobertor velho de criança, o qual eu literalmente comia, fio a fio? Uma hora aquilo fedia. Minha mãe deu seu jeito! (Risos). Então, o que muita gente chama de “desapego” pode ser, na realidade, um profundo e completo... descaso.
E sabe de uma coisa? Esse tipo de “desapego” não me interessa nem um pouco. O que raspa a minha superfície é o que me faz cantar. Eu não sou blasè, não sei como se faz isso e nem quero. Amo de um jeito old school e realmente acho esse desapego desmemoriado uma bosta.
Isso não significa que eu não parta nunca, ou que não deixe partir: a hora exata de devolver uma conchinha para o mar depois de admirar sua beleza por um tempo, ou de assoprar a joaninha que pousou no seu dedo (mas não antes de se ter um ataque de fofura) é uma arte. Há que se ter um bocado de ritmo para abraçar e para soltar. Dançar com a vida.
É preciso celebrar os finais, seja com uma canção alegre ou com alguma dose de melancolia. Porque se der ponto sem nó, o tecido da vida se perde, se esgarça. Aí não tem graça.
Flávia Teodoro Alves

20/01/2017